Há um “dejavú” ao ler e responder os falantes questionários que rodam por aqui e por ali, no sentido de ir rumo ao período da infância onde eles eram o tempero do dia.
Havia o frisson de esperar e ler o que outros respondiam, e o frisson aguçado em pensar nossas respostas.
Sempre pensei muito antes de elaborá-las, por que ainda sendo algo divertido eu dava sempre as respostas verdadeiras, não apenas por pura gozação ou zueira.
Essa viagem no tempo me deu uma perspectiva crua sobre mim mesma.
Me mostrou ou exibiu o que eu desejava naquele então, e o que daquele então realmente conseguiu vir a ser ou não.
Jamais direi que há uma correspondência ao pé da letra entre o desejo e o concretizado, e isso não me traz nenhuma aflição mesmo, por que sinto assim que haverá constantemente algo para correr atrás, algo por ser feito, algo por ser saciado.
E penso como me era meio “Lost” a sensação de estar perdida perante o que eu seria um dia, perante quantas coisas daqueles anseios de fato seriam atendidos. Eu me sentia pequena. Não tanto pelo que os demais esperavam de mim, mas pelo que eu esperava.
A ansiedade perdeu fôlego quando tive filhos, por que os ritmos tomaram outros moldes, as premências outros níveis, os desejos outros rumos, e passei a dar outra dimensão ao que eu queria quanto a mim mesma.
Entendi que não somos seres descartáveis, mesmo nos instantes em que mais detestamos ou abominamos x ou y, por que eles, o x e o y, um dia na ciclicidade da vida aparecem novamente em nosso caminho, e ela ( a vida) nos regala com a oportunidade de vivenciar outra dinâmica com esse x e esse y… “Daí nunca mais me veio à mente ou aos lábios a frase “to me lixando para todos” ou “ apenas quero o que me traz benefício e o que não, jogo fora”…
Vinte anos atrás jamais me suporia estando desligada física e emocionalmente (por que longe não há afagos, não há colo, não há o toque) do meu nicho familiar, por que querendo ou não nos tornamos dependentes e muito da família. Jamais imaginaria poder estar bem e feliz sozinha, sem aquela família onde nasci por perto, não que minha felicidade dependera deles, mas sim a noção de acomodação, de apoio, de segurança, que pode poudar nossos vôos, mas que sempre nos deixam mais certos de que as quedas serão menos duras quando aconteçam…
Sou sim muito do que em mim foi incutido na família direta ou indiretamente, tenho lembranças boas e outras péssimas dos tempos em que me sentia personagem do meu “Lost”, sou geneticamente, culturalmente, animicamente a lembrança de muitos dos que já passaram nesta terra sob o nome dos Souza Martins e dos Onofre, logo sou um pouco de cada um… Quiçá mais do que imagine, pois não conheci bisavôs et al.
Mas, e isso para mim é por demais importante, ser pelo destino, ou como queiram chamar, lançada a um canto a solo na vida, me permitiu decantar valores e perceber que eu sou o que eu sou apenas por mim mesma, por meu mérito exclusivo.
E da seguinte forma: aquilo que conquistei eu aceito como coloquei antes, como um percentual de herança familiar, e me refiro aqui às habilidades, a alguns gostos, a coisas que se perpassam de um indivíduo a outro no processo reprodutivo, e me identificar em certos aspectos com meu avô materno ou com minha avó materna resulta prazeroso e zen…
Mas o que sou como indivíduo social, espiritual, econômico e cultural, hoje, é resultado da minha elaboração apenas. E isto foi uma opção minha e respeitada por essa minha família.
Não houve interferência alguma em ‘n’ decisões como a do “o quê vou ser quando crescer e puder optar” Sou o que quis ser. Escolhi minha profissão mesmo que minha mãe acalentara no íntimo que eu seguisse a tradição familiar de enveredar pela Diplomacia, de vir a ser como meu avó a quem eu muito amo, uma consulesa ou embaixatriz… Ou a do meu tio de que o acompanhasse na vida de advogado… Ou ser dentista como meu pai me desejava fosse…
Mas eu não seria o que sou se eles não tivessem também tido a chance de no seu tempo poder optar por ir e deixar família e se arriscar onde ninguém tinha sido nada disso antes… E sou as lembranças das tardes cor-de-rosas sentados no terraço com cheiro do rio Amazonas em Letícia, na minha Colômbia, por que meu avô decidiu um dia largar a vida de jornalista e advogado e rumar para o Rio, e ser um diplomata. Sem isso eu não teria sido parida na minha Colômbia querida, nem teria nas veias o sangue itálico-espanhol que tenho, nem essas lembranças queridas daquelas tardes com ele.
Não amaria como amo meu país, não sentiria na carne a saudade que sinto de suas terras.
Por isso quem ao me ver sozinha aqui no nordeste da vossa Terra Brasilis, pensa que “coisa triste” ou “que família esquisita e espalhada”, erra.
Somos na minha família o que somos, e temos honra em sê-lo, por que tivemos a opção de ir e vir sem amarras. Entre tanto, esse viver sem amarras é duro para quem com cada um de nós convive, pois não alimentamos nem sabemos fazê-lo, o apego irracional para com situações, pessoas, e sentimentos.
Aprendi e os demais meus também, que tudo é passageiro, e que quiçá por isso, devemos dar o nosso máximo em cada uma dessas “passagens”, ser o melhor naquele momento e com aquele ser que envolve o momento. Mas e agradeço aos Deuses, não ficamos lamuriando por muito tempo o que deixa de ser, o que não conseguiu ser e partimos para o que pode ser.
Da mesma forma minha vida laboral e profissional é minha apenas, sem dever favores por ser, por ser professora, por ser tradutora, por ser taróloga, pois cada um dos empregos que tive e tenho, agradeço a mim mesma por eles, e isso se deve à essência “andarilha” dos Souza Martins Onofre, pois ou somos por merecermos ou não seriamos nada.
Eis por que o dejavú dos esqueminhas de perguntas e respostas que choveram e chovem, – e que chovam mais – me fez bem.
Aos 38 anos posso olhar para trás e dizer, que bom que passou o tempo.
Que bom que consegui ser.
Que bom que sou quem sou.
Beijos.
Luciana Onofre